“É dura a dor do parto, mas devo partir”. Eis uma expressão popular do desafio da despedida visceralmente relacionado à maternidade.
Frequentemente, encontramos decorando as portas do quarto, da casa ou de outro local onde há um recém-nascido, uma tabuleta com o dizer: “Cheguei”. Sim, chegou para quase todos porque, para a mãe, o bebê também se foi, ao nascer.
Nessa partida encontra-se uma das principais chaves da maternidade: aprender a se despedir. Isto é: deixar alguém ir sem virar as costas, para poder observar aquele que se vai e, deixar-se ir, de maneira clara, sem sair escondido, para poder finalizar o encontro, com ‘tchau’, ‘até logo’ ou qualquer expressão de reencontro. Na situação concreta do bebê: despedir é não “colar” (de colo) demais, para que haja “respiro”, espaço para crescer; e ir ou deixar ir, sem “descolar” depressa, para poder reconhecer o tempo mútuo de afastamento, deixando o outro em situação segura e de equilíbrio.
Certa vez, cheguei no horário agendado à casa da nova família, cujo filhinho havia nascido há 20 dias. Eram 10 horas e o pai veio atender à campainha, explicando-me que sua esposa estava terminando de tomar banho, pois o bebê ficara acordado durante um longo período na madrugada, tendo conseguido dormir apenas às 7:00 horas da manhã.
Aguardei o casal se aprontar. Então, iniciamos nossa conversa cujo núcleo foi, claro, a experiência trabalhosa diante da resistência do bebê ao sono. O que teria acontecido? Fome? Dor? Frio? Calor? O que? Perguntava-se a mãe. E vai, começou a chorar. Lembrou-se da raiva que sentiu porque o bebê não dormia. “Raiva mesmo! Sei lá, nunca pensei que sentiria isso em relação ao meu próprio filho! ” Sentia-se culpada, chorava e desculpava-se pelo cansaço. O marido aliviava-a reconhecendo vários momentos em que vinha sendo muito atenciosa com o bebê. Depois de esperarmos a fluência de todas estas manifestações, o choro inclusive e depois de termos encarado a raiva de frente, como uma força presente e importante de ser compreendida, contida e potencialmente capaz de reorientar o gesto materno e paterno, a mãe puérpera sentia-se aliviada. Sinal disso foi a mancha redonda e úmida de leite que apareceu na sua camiseta. Disse ela:
– Engraçado, na madrugada eu queria que ele [o bebê] se desligasse de mim. “Chega, dorme e me deixa dormir, caramba! ” E agora, estou com saudades, parece que faz um tempão que não o vejo. Deu vontade de ir acordá-lo. Acredita? Ser mãe é muito louco. Mas que está na hora dele mamar, está, não está?
Neste atendimento cuidou-se bem do gesto de se despedir de uma mãe recente. Ao longo da vida, a despedida tratada saudavelmente, transforma a observação de quem partiu em admiração e o “tchau” ou “até logo”, em “adeus”. E isso não é apenas coisa de mãe, mas de pai, de filho, de neto, de avós, de ser humano.
Iniciamos este relato com um provérbio que fala sobre a dureza da dor materna e o encerraremos com a grandiosa poesia de Cecília Meireles, onde o bem mais que substantivo é um modo incerto de ser.
A MULHER E O SEU MENINO
Cecília Meireles
à Fernanda de Castro
Mulher de pedra,
que é do menino
que houve em teu doce
braço divino,
– nesse teu braço
que ainda está preso,
plácido e curvo,
à eterna ideia
de um vago peso?
“Vento do tempo
me estremeceu:
ele era pedra
da minha pedra,
mas nunca soube
se era bem meu.
Vento do tempo
passou por mim:
foi-se o menino,
deixou-me assim.
Foi sem palavras
Tão pequenino,
que ia falar?
Talvez soubesse
Eu não conheço
senão meu peito:
há outro lugar?
Têm vindo coisas:
não sei que são.
Coisas que cantam,
coisas que brilham.
Mas ele, não.
E era tão feito
só de ficar
que, embora longe,
sinto-o comigo:
meu braço é sempre
sua cadeira,
todo o meu corpo
seu espaldar.”
Mulher de pedra,
que é do menino?
“Vento do tempo
quebrou meu seio
para o arrancar.
A mim, deixou-me.
A ele, levou-o.
(Há algum lugar?)
Desde o Principio,
comigo vinha.
Meu Nascimento
nele nasceu.
Foi-se – por onde? –
tudo que eu tinha.
Ele era pedra
da minha pedra,
porém é certo
que nunca soube
se era bem meu…”
– In: Poesia Completa –Vaga Música
Recomendamos para aprofundar este tema: assistir à peça “Não Posso esquecer”(em cartaz em Goiânia) e admirar a escultura de Victor Brecheret, chamada “O sepultamento” (Cemitério da Consolação, São Paulo).