Virtu…ar com Lunetas…

Silvia De Ambrosis Pinheiro Machado respondeu ao “Lunetas”,  equipe de comunicação do Instituto Alana, que coloca, como eles dizem, “Lentes de aumento sobre o universo das infâncias”. A matéria já está no ar! Ou melhor, no virtu-ar!

https://lunetas.com.br/cancoes-de-ninar/

https://lunetas.com.br/cancoes-de-ninar-brasileiras/

Lunetas: A capacidade auditiva é o primeiro sentido desenvolvido por um indivíduo? E é também o último sentido que perdemos ao morrer? O que isso nos diz sobre a importância dos sons ao longo de toda a vida?

Silvia: Embora o desenvolvimento embrionário não tenha sido tópico de minha pesquisa de doutorado sobre as canções de ninar, que resultou no livro “Canção de ninar brasileira: aproximações”, meus estudos para o acompanhamento de ‘famílias recém-nascidas”, durante os períodos pré e pós-natais e infância inicial de suas crianças incluíram este tema. Sabe-se, até o momento, que o primeiro sentido que se desenvolve é o tato.  A audição do feto, porém, é um sentido importantíssimo na sua comunicação com a mãe e com o mundo exterior. Mais importante é pensarmos que a audição é um forte aliado na adaptação inicial do recém-nascido: batimento cardíaco da mãe, vozes conhecidas, cantigas escutadas no último trimestre de gravidez são sonoridades familiares ao bebê e podem acalmá-lo em situações de desconforto adaptativo.

Lunetas: Quando o bebê ainda está na barriga, as canções de ninar têm impacto sobre o seu desenvolvimento? Como isso acontece, e como se reflete depois?

Silvia: Os ruídos e sons, organizados musicalmente em canções ou não, fazem parte do ambiente do corpo materno e, certamente, influenciam a vida do bebê intra-útero, como todos os demais elementos e estímulos. O corpinho do feto está contido pelo da mãe, que está contido pelo ambiente conjugal e familiar, que está contido pelo ambiente comunitário, que está contido pelo ambiente econômico-social, e assim por diante. São ambientes inter-relacionados que se afetam mutuamente. Em geral, tendemos a observar e buscar compreender como afetamos os bebês, quase como forma de nos desviarmos do impacto transformador que eles exercem sobre nós. A chegada de um bebê renova mesmo o mundo, mas somos muito conservadores para aceitar isso. Guimarães Rosa escreveu, no “Grande Sertão: Veredas”: “ O menino nasceu, o mundo tornou a começar”.

Quanto à canção de ninar, ela é um gênero poético-musical que nasce especialmente na hora de acalmar e levar ao sono as crianças pequenas. Por isso suas denominações: Dorme nenê, Cantiga para adormecer, Nana nenê, Canção de ninar. Vale lembrar que muitas canções de ninar, por suas qualidades estéticas e formais, ultrapassam essa funcionalidade mais imediata e tornam-se composições artísticas (por exemplo: “Acalanto”, de Dorival Caymmi; “Tudo tudo tudo”, de Caetano Veloso e outros). Enquanto objeto de arte, o acalanto ganha um potencial sensível, pois amplia a capacidade e o prazer de conhecer o mundo e a si mesmo.

Além disso, a canção de ninar cuida não apenas do adormecer das crianças, mas dos sentimentos dos cantadores. Por isso, o conteúdo dessas canções revelam, muitas vezes, as inquietações dos adultos, suas necessidades e dificuldades, seus temores, suas lembranças de infância, etc. Cuidando de si mesmos, certamente este adultos estarão cuidando do ambiente em torno do bebê.

Lunetas: É verdade que as canções de ninar têm a mesma estrutura no mundo todo? Pode explicar por que, e como é essa estrutura?

Silvia: Não estudei as canções do mundo todo, mas certamente o efeito hipnótico das canções de ninar resulta de certos recursos musicais como brevidade, repetição, monotonia, lentidão, entre outros. A pesquisa de campo, bibliográfica e fonográfica das canções brasileiras, permitiu identificar uma importante unidade estética dos acalantos: o som totalmente nasal “hum”. Valeria uma continuidade do estudo desta presença em canções de outros povos e culturas.

Lunetas: As canções de ninar brasileiras têm alguma característica preponderante? Se sim, qual?

Silvia: Sim, podemos dizer que as canções de ninar tradicionais brasileiras, anônimas e transmitidas oralmente transportam elementos das principais vertentes (indígenas, africanas e europeias) que formaram a cultura brasileira. Do ponto de vista sonoro, por exemplo, a pregnância da vogal “u” em palavras e elementos originários dessas vertentes, identificáveis no texto das canções. Ou seja, a hipótese é de que o som de “u” seja um elemento integrador das diversas vertentes culturais formadoras do Brasil, que vem sendo transmitidas aos pequeninos nascidos no Brasil. Do ponto de vista do conteúdo, nota-se um grande número de canções que falam do cansaço materno, do acúmulo de tarefas, da pobreza, de medo e terror, do boi, do papão, assim como de temas e figuras protetoras, como anjos, santos, passarinhos, papai, mamãe, coruja. O fato do Brasil ter sido um país que adotou por 400 anos o regime escravocrata, deixou marcas nas suas canções de ninar também.

Lunetas: Diz-se que a voz materna é o som de maior impacto para o bebê. Está correto afirmar isso? Por que isso acontece? E qual a diferença da voz de outros cuidadores, como o pai, a avó, por exemplo?

Silvia: Este tema não faz parte do meu estudo, mas sabe-se que a voz da mãe é rapidamente reconhecida pela criança e que todas as vozes familiares a ela durante a gestação, especialmente no último trimestre, serão reconhecidas após o nascimento.

Lunetas: Sabemos que, no Brasil, ainda se responsabiliza majoritariamente a mãe pelos cuidados com o bebê, contribuindo para uma sobrecarga da mulher e o afastamento afetivo do pai. Como fortalecer o vínculo paterno por meio das canções de ninar?

Silvia: Certa vez, realizei um atendimento domiciliar pós-natal para um casal cujo o bebê estivera internado por 20 dias na UTI neonatal. O pai desta criança, comovido e preocupado com a situação do bebê e da esposa, compôs uma quadrinha que falava da força do menino Pedro, relacionando-a com a permanência de uma pedra e com sua filiação a uma pedrinha preciosa (a mãe). Tanto o pai quanto a mãe começaram a observar que ao cantar este refrão, durante as visitas na UTI, o bebê apresentava melhoras nos sinais de vitalidade e por isso, a adotaram quase como “hino”. Relatou-me o pai que, certa vez, ao sair do hospital, tendo deixado sua mulher sozinha com o bebê, desabou a chorar com criança no carro e só se acalmou ao cantar o “hino do Pedro”. Este relato é bastante significativo do efeito curativo do canto para pais e filhos!

Vale pontuar também que os acalantos compostos por artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Dorival Caymmi tiveram suas origens na experiência inicial de paternidade deles.

Lunetas: Você poderia sugerir 10 músicas para montarmos uma playlist bem bacana de canções de ninar brasileiras?

Silvia:

Acalanto de Planta – LP: Bloco da Palhoça/ Beatriz Bedran

O Besouro – CD: Abra a Roda Tin Dô Lê Lê/ Lydia Hortélio

Sapo Cururu – CD: Oh! Bela Alice / Lydia Hortélio

Murucututu – CD: Murucututu/ Eugênio Tadeu e Miguel Queiroz

Nananenem – CD: Paisagens/ Ivan Vilela

Era uma vez – CD: Canções de Ninar/ Palavra cantada

Essa Menina – CD: Brincadeira de Viola/ paulo Freire

Acalanto – Dorival Caymmi

Acalanto para Helena – Chico Buarque

Tudo tudo tudo – Caetano Veloso

No link abaixo estão as gravações de pesquisa de campo e fonográfica

http://www.primeiromovimento.com/cd-do-livro-cancao-de-ninar-brasileira-aproximacoes

 

 

 

 

 

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